sábado, 31 de julho de 2010

Quem não tem teto de vidro...



“Covarde, sei que me podem chamar
Porque não calo no peito esta dor
Atire a primeira pedra ai, ai, ai
Àquele que não sofreu por amor”
[Ataulfo Alves e Mário Lago]





Quem por amor não sofreu
Apedreje o peito meu
Mas quem, por ventura, mentir
Apedrejado vai sair

O desafio foi lançado
E olha só o resultado:

Todas as pedras sumiram do mundo
Os olhos voltaram para si num segundo.
Todas as pedras ficaram invisíveis, de repente
O juiz da vez: a própria mente.
Todas as pedras se desintegraram
Para o próprio umbigo todos olharam
Atirar pedras ficou só no rascunho
Quando foram passados a limpo, todos caíram
Iguais as pedras que já estavam em punho.


[E os tetos continuaram inteiros... E no lugar das pedras, escudos.]



[Atire a primeira pedra - Ataulfo Alves/ Mário Lago]

terça-feira, 27 de julho de 2010

Promessas não preenchem lacunas

Se fosse apenas mais um dia e não mais
uma promessa de um dia melhor,
de um dia em que aquele imenso vazio seria preenchido
e os seus olhos voltariam a ter o mesmo brilho de antes,
dando razão e sentido ao denso caminho,
quase sem fim, que residia, então, a sua existência
e nisso se resumia...

Se fosse apenas mais um dia, talvez ela suportasse... Depois tudo voltaria ao normal: os seus sonhos, a sua vontade intensa de viver, o seu sorriso que iluminava tudo ao seu redor e que poderia voar novamente, sem medo de cortarem as suas asas, pois, se isso acontecesse, teria leveza o bastante para flutuar e contemplar a beleza das coisas, como sempre fez.

Acontece que, mais um dia fechava as suas portas e outro nascia trazendo consigo a mesma promessa do dia anterior. E ela não queria mais viver de promessas, porque promessas não preenchem lacunas — a sua vida estava cheia delas, de promessas e de lacunas e ela também estava cheia disso.

E então, ela costurou as suas asas quebradas, respirou fundo, fechou os olhos e se jogou... Ela estava numa altura absurda, mas não recuou em nenhum momento — ela já tinha adiado isso fazia tempo — e nem teve medo do que encontraria pela frente em seu caminho, um caminho sem promessas, dali em diante, mas com suavidade espalhada por todos os cantos. Ela só queria viver uma realidade tão bela quanto os seus mais doces sonhos. Não, ela não era nenhuma boba alienada, muito menos hipócrita, tinha os pés no chão, a cabeça dela é que voava muito... Era uma sonhadora! Ela sabia que lhe era permitido sonhar — a realidade é sempre melhor assim — e isso ninguém jamais conseguiu tirar dela.

E, como ela imaginou, ela flutuou de tão leve que se sentiu... E, no dia seguinte, ela não precisou ficar vivendo cada dia como uma promessa não cumprida, um amanhã mais parecido com um ontem. Ela só precisou viver! Sem esperas, desfrutando das coisas simples e fundamentais, como alguém que acabara de sair de um deserto e está com muita sede, só que a sede dela era outra, uma sede insaciável, era a sede de viver — há muito ela não vivia, mas essa sede ela sempre teve. E ela seguiu... Preenchendo as suas lacunas como o seu coração mandava...

[Do jeitinho que ela sempre havia se prometido.]


sexta-feira, 23 de julho de 2010

Bem ditas sejam as palavras!


Ele disse:

— Sei que você jamais conseguirá se desfazer do amor que sente por mim, um amor tão grande não acaba assim, pertencemos um ao outro para sempre, como raiz e semente.

Malditas palavras mal ditas!

Ela o olhou no fundo dos olhos — ele havia dito que só acreditaria na instabilidade ou possível fim do seu amor, se ela falasse olhando nos seus olhos — e respondeu com toda a serenidade do mundo, coisa que pensou que jamais conseguiria:

— Eu te amo, mas já não estou feliz e o meu coração já não dispara quando estou perto de você e as estrelas somem quando eu te vejo e se escondem quando eu te beijo.

Malditas palavras bem ditas!

Ele a olhou com os olhos rasos d’àgua, ainda não acreditando no que ouvia, e disse com a voz trêmula e o coração nas mãos:

— Mas eu te amo tanto e não quero te perder, não conseguiria viver, seria como viver faltando um pedaço meu. Preciso do seu laço, do seu abraço.

Benditas palavras mal ditas!

Mas, dessa vez, ela não se deixou levar pelas palavras suculentas dele, já estava decidida, ela e o seu coração. Este doía muito nessa hora e batia descompassadamente, mas ela não suportava mais aquilo. E, cheia de certeza, apesar de não ter pensado direito na dor que vinha pela frente — ela acreditava que não poderia ser maior do que a que ela já carregava e pesava tanto — disse as três palavrinhas certeiras e fatais:

— Pra mim chega!

Benditas palavras bem ditas!

[E respondendo aos tantos que perguntaram como ela conseguiu abrir mão de um amor tão grande: ela não abriu mão do amor por ele, abriu os dois braços ao amor por ela.]

sábado, 17 de julho de 2010

Das coisas essenciais





Há momentos em que
os meus dias ficam sombrios,
repletos de tons de cinza,
como uma nuvem carregada
em um dia em que tudo
o que eu precisava era um sol
dos mais brilhantes.


Aquilo vai, progressivamente, pintando o meu mundo em preto e branco, e, de repente, onde quer que eu olhe, as cores vão sumindo, sumindo... Quando eu avisto um pouquinho de cor, logo aquela nuvem alcança e apaga tudo.

Os meus dias vão perdendo a graça, o sentido e a beleza, pra onde quer que eu olhe nada me anima, ficou tudo desbotado.

Mas aí chegam as minhas latinhas de tinta, uma de cada cor, trazidas pelas pessoas especiais da minha vida: família, amigos, aquelas pessoas que sempre estão por perto para enfeitar os meus dias e têm sempre uma palavra, que às vezes, mesmo sendo duras, me trazem de volta ao mundo.

As latinhas de tinta vêm carregadas de amor, carinho, afeto, cuidado, atenção, das coisas mais bonitas e essenciais.

E quando olho para o céu pra agradecer a Deus, percebo que ele já ganhou um tom azul clarinho, que vai ficando cada vez mais azul, azul... E um raio em tons dourado, alaranjado e lilás vai tomando conta do cenário. — Sim, é o sol, mais amarelo e brilhante do que nunca.

Todas as cores vão voltando e com mais intensidade, com mais encanto. E um lindo arco-íris se forma.

E no final do arco-íris tem muito mais do que um pote de ouro.

Tem o essencial: as coisas que colorem a minha vida.


[Para todos que amo, minhas latinhas de tinta]


quinta-feira, 15 de julho de 2010

Quatro estações


Eu, primavera
seja do jeito que flor
Por pouco não inverno,
foi por um frio
Ou refloresço, outono
Irradio, todos verão!

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Ah, as palavras!

“... Tinha suspirado, tinha beijado
o papel devotamente!
Era a primeira vez que lhe escreviam
aquelas sentimentalidades,
e o seu orgulho dilatava-se
ao calor amoroso que saía delas,
como um corpo ressequido
que se estira num banho tépido;
sentia um acréscimo de estima
por si mesma,
e parecia-lhe que entrava enfim
numa existência superiormente interessante,
onde cada hora tinha
o seu encanto diferente,
cada passo conduzia a um êxtase,
e a alma se cobria de um luxo
radioso de sensações!"

[Eça de Queirós. Em: O Primo Basílo]


[A palavra certa muda tudo, faz tanta diferença, salva, resgata lá do fundo do abismo e traz à vida novamente. É impressionante o poder de uma palavra! Aquelas palavrinhas mágicas ditas na hora certa. Aquelas que precisamos tanto ouvir. Aquelas palavras que afagam o coração e que o mesmo sente, imediatamente, a presença ou a falta.]

[Amor I Love You - Marisa Monte/ Carlinhos Brown]

domingo, 11 de julho de 2010

Roteirista das estrelas

Muitas vezes, quando estou triste
ou angustiada com alguma coisa,
vou para a janela, fico observando as estrelas
e começo a criar historinhas com elas.
Dou nomes, crio situações,
imagino o que elas pensam e sentem,
viro uma espécie de roteirista das estrelas.

Logo vejo algumas piscando, imagino que elas estão querendo chamar a minha atenção, desabafar, talvez sobre uma desilusão amorosa, a falta que sentem de alguém, ou quem sabe, me pedirem ajuda. A estas chamo de carentes, estrelas carentes.

As que caem eu não chamo de cadentes, chamo de solitárias e penso que se atiraram lá do céu para procurar no mar um refúgio — as estrelas solitárias viram estrelas-do-mar e depois que elas se encontram de verdade voltam a brilhar no céu.

Têm algumas estrelas que não brilham, são foscas, quase apagadas e ficam bem afastadas das outras, parecem que não querem ser notadas ou que se escondem de alguma coisa, de algum erro que cometeram e não tiveram coragem de pedir perdão, são as estrelas amarguradas. Será que elas ainda vão brilhar um dia? — penso. Difícil alguém brilhar com o coração desse jeito.

Fico um tempo ali tentando criar uma situação pra fazer com que elas aliviem os seus coraçõezinhos aflitos, e então, vou catando cada uma delas e coloco perto das estrelas-guias — as estrelas-guias são as mais iluminadas do céu, aquelas que direcionam e abrem os caminhos para todas as outras estrelas. Sei que elas não se importarão em passar um pouquinho do seu brilho. E em poucos segundos, já posso notar uma leve cintilância ao redor das amarguradas. Nesta fase de metamorfose, elas passam a se chamar agridoce.

Sempre vejo três estrelinhas juntas, imagino o quanto elas são felizes, nunca estão sozinhas, umas ajudam as outras. São as estrelas amigas — quem tem amigos sempre é mais feliz, em qualquer lugar que esteja.

E assim as horas vão passando e cada estrela que eu vejo vai ganhando um personagem e não há uma vilã ali, todas são protagonistas, cada uma tem um sentido especial e representam com maestria os seus papéis no roteiro que criei baseado em mim. E elas seguem guiando a minha noite, como um clarão no breu...

De repente, todos os refletores do céu se acendem de vez, são as minhas estrelinhas fazendo um espetáculo, como se percebessem as sombras tentando tomar conta do meu cenário e fizessem reverência para me iluminar e o resultado é um efeito especial de beleza ímpar. E as cortinas não se fecham no final.

Quando percebo, estou rindo! As estrelas sempre me fazem rir e me acalmam.

[Quem disse que não é possível tocar nas estrelas? Basta fechar os olhos, ficar na pontinha dos pés e imaginar, imaginar...]


terça-feira, 6 de julho de 2010

Meus olhos, meus olhares

Os meus olhos têm as cores do mar

Do fogo e do ar

Da noite e do chão


Meus olhares vivem a se transformar

São assim como eu

Feito camaleão


Ficam vivos, mortos, sorridentes

Os meus olhos não mentem

Eles sentem, eles são


E eles falam mais que palavras

Quem olhar bem no fundo

Verá meu coração


domingo, 4 de julho de 2010

Uma esperança quentinha saindo...





As esperanças não morrem, podem ficar um pouco empoeiradas com as peças que a vida prega. E elas podem até criar crostas a partir de camadas e mais camadas de desilusão e desafeto.




Às vezes representam tão bem que até acreditamos que elas se foram de verdade, mas as esperanças nunca se vão e nunca se apagam, estão sempre lá, incólumes.


Por isso, vez em quando, pego água com sabão, misturo com anis e hortelã e me lavo por dentro. Porque as esperanças são à prova d’água.

E saem esperanças novinhas em folha. Porque as esperanças não criam rugas.


[E brotam do improvável.]


sábado, 3 de julho de 2010

Tic-Tac

Quando as horas não passam
E a vida se arrasta
Tá na hora de ajustar os ponteiros

[E eu perdi tanto tempo tentando consertar o relógio]

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Coração timbaleiro


Quando o timbau soa é de emocionar
Muito mais que banda, uma religião
Não há parte do corpo que não estremeça
É um arrepio que sobe dos pés à cabeça
Não há neste mundo melhor percussão

É um som que transcende qualquer definição
Quando toca, me toca. É meu tom, meu refrão
O meu corpo levita de tanta energia
É ralé, é balé, é resistência, é poesia

A Timbalada mostra a minha cara
Sinto em mim refletida a sua canção
Fecho os olhos, canto e fico encantada
Dos olhos saem lágrimas, no peito, paixão

Pintei a minha pele e a tinta grudou
Até a minha alma ela alcançou
O meu coração é timbaleiro
Tem ginga, tem fé, tem raiz no Gueto




[Toque de Timbaleiro - Nem Cardoso]
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